2.5. Perguntas para a Profa. Evlyn Marcia Leão de Moraes Novo

1 - A senhora deu uma palestra nessa disciplina em 2020 sobre “Conceitos de sensoriamento remoto e o histórico de missões de observação da Terra”, e em 2021 sobre “A corrida espacial, os avanços da computação e sua contribuição para o sensoriamento remoto da superfície terrestre”. Gostaríamos de saber:

A - Qual a missão de Observação da Terra que a senhora acha mais marcante? E qual a razão?

Resposta da professora. Evlyn - Acho que a missão da Observação da Terra mais marcante foi a missão ERTS-1, depois chamada Landsat-1. Essa missão modificou a direção das futuras missões espaciais porque trouxe vários conceitos revolucionários para a época (início da década de 1970, se nos lembrarmos que o homem chegou à Lua em 1969):


1 - A missão envolvia não apenas o lançamento de um satélite bem-sucedido, mas previa o lançamento de uma série de satélites voltados a prover informações para 04 campos de aplicação (agricultura, geologia, cobertura vegetal, urbanização),


2 - Foram realizadas missões aéreas (missão 96, no Brasil, por exemplo) para levantar informações de áreas testes que permitissem a capacitação de recursos humanos para a atividade de reconhecimento dos alvos (culturas agrícolas, tipos de vegetação, tipos de solos/rochas, estruturas urbanas). de interesse.


3 - Os países selecionados para se beneficiar da missão tiveram suas equipes treinadas para a operação de antenas de recepção, armazenamento, processamento do sinal, geração de imagens digitais e analógicas, processamento fotográfico de imagens, catalogação.


4 - O satélite concebido também serviu de modelo para toda uma geração posterior de satélites de observação da Terra com garantia de qualidade radiométrica de dados, e a possibilidade que fossem comparáveis ao longo do tempo. Ou seja, se hoje a gente pode fazer cubo de dados, é porque lá atrás foi prevista a necessidade de que os satélites tivessem órbitas Sol-síncronas, sensores que produzissem imagens digitais, ou seja, passíveis de serem processadas sem alterar os dados originais para gerar dados de melhor qualidade com o avanço tecnológico.


5 - A bordo do Landsat-1 foram lançados 02 sensores, uma câmera RBV (Return Beam Vidicon), basicamente uma câmera de televisão com filtros coloridos e infra-vermelho, e uma câmera de varredura multiespectral mustispectral scanner system (MSS).


6 - Essa missão completou 50 anos em Julho de 2022. Com os dados de 2022 pode-se voltar 50 anos no tempo e observar como o planeta era quando sua população era de cerca de 4 bilhões, ou seja, a metade da população atual.


Para entender sobre a importância dessa missão consulte: https://scitechdaily.com/landsat-legacy-ambitious-nasa-usgs-program-observing-earth-from-space-turns-50/

B - A senhora acha que o Brasil ficou para trás na corrida espacial? Se sim, quais as razões?


Resposta da professora. Evlyn - O Brasil ficou para trás porque não conseguiu desenvolver a ambiciosa Missão Espacial Completa do Brasil. Na década de 1980 o governo brasileiro decidiu que o Brasil deveria se tornar capaz colocar em órbitas cargas não-tripuladas por meio de foguetes nacionais lançados a partir do território brasileiro, de construir satélites, especificar e construir cargas úteis, construir e operar estações de recepção e processamento de dados, mantê-los em funcionamento no espaço até que fossem desenvolvidos novos satélites tecnologicamente mais avançados. O fato é que não conseguimos desenvolver foguete capaz lançar satélites nem ao menos órbita baixa da Terra e quase meio século depois, continuamos não conseguindo, e a geração de engenheiros espaciais formados naquele período não foram substituídos, capacitados, e as janelas de oportunidade tecnológicas, geopolíticas se fecharam. Até o lançamento do Amazônia-1, os dois Os satélites de coleta de dados, SCD1 e o SCD2, lançados em 1993 e 1998 foram os únicos nacionais. Mas o seu lançamento em lançador contratado produzir um estremecimento nas relações entre a componente militar da missão (os lançadores) e a componente civil (os satélites, sensores e aplicações). As causas do fracasso do Brasil em ter um programa espacial robusto são muitas:


1 - Falta de política de estado comprometida com o desenvolvimento do setor espacial como componente estratégico para o desenvolvimento econômico e tecnológico à semelhança do que acontece até hoje nos países com programas sólidos (Estados Unidos da América, China, ex-URSS, União Europeia, Índia, Grã-Bretanha).


2 - Falta de senso de realidade dos formuladores da MECB, que ambicionaram dar contar de um ciclo completo do lançamento à aplicação de dados espaciais, sem que houvesse recursos humanos e econômicos e financeiros. Alguns países renunciaram à cadeia completa e desenvolveram nichos de competência e hoje suprem missões espaciais inovadoras com novos sensores, fomentando sua indústria nacional e os setores de serviços espaciais.

2 - Atualmente a senhora é pesquisadora e docente no INPE, então precisa dividir o seu tempo nas diversas atividades oriundas dessas duas funções bastante entrelaçadas. Enquanto pesquisadora, o que te motivou a ir para a área da Geociências? E, enquanto professora, o que te motivou a entrar para a docência?

Resposta da professora Evlyn - Eu sempre me interessei pelos processos que deram origem ao planeta Terra, sempre achei interessante pensar em como a superfície da Terra se transforma constantemente. Em particular os rios que mudam constantemente seus cursos, invertem seus caminhos. Ver os sinais dessas mudanças nos cursos de água, na própria água é muito interessante, principalmente se observado por imagens de satélite. Eu não escolhi ser docente. Era uma demanda da Divisão de Sensoriamento Remoto que os doutores se tornassem docentes para que pudesse orientar e formar recursos humanos. Então não foi escolha. O que eu sempre gostei foi ficar quieta no meu canto. Mas gosto de orientar alunos, principalmente de mestrado. Sempre gostei. Porque eles chegam entre assustados e cheios de si porque estarem “no mestrado do INPE” (num tempo em que o INPE era muito mais respeitado em todos os aspectos do que hoje). Então, eu gosto de poder ajudá-los a descobrirem seu potencial e servir de ponte para que possam realizá-lo. Acho que é isso.

3 - Como era o público feminino na época do seu mestrado/doutorado na área de geociências? E a senhora sentiu algum tipo de discriminação por ser mulher nessa área?

Resposta da professora Evlyn - Havia muito poucas mulheres e elas não eram muito levadas a sério. Havia muita discriminação sim. Eu queria sair para fazer o meu doutorado no exterior, mas minha solicitação não foi aprovada pelo meu chefe porque eu era mulher e casada, e se saísse “era mais fácil que voltasse cheia de filhos” do que com uma tese. Os dois que saíram para o doutorado, um não voltou para o Brasil, e o outro voltou, e assim que pode, se aposentou. Mas não acho que hoje as coisas sejam fáceis para as mulheres. Aliás, acho que no meu tempo, tive a oportunidade de um emprego em ciência. Hoje as oportunidades são bem mais escassas, para homens e mulheres.

4 - Para os cientistas que irão ingressar nesta área: o que a senhora pensa sobre o futuro da Observação da Terra? Algum tema, técnica ou aplicação que vem ganhando mais espaço nos últimos anos? Com todo seu conhecimento, a senhora teria algum palpite?

Resposta da professora Evlyn - Eu acho que o futuro dos sistemas e pesquisas de Observação da Terra devem estar voltados para sensores que permitam medir mudanças de variáveis chaves da superfície da Terra em várias escalas de tempo para que possam alimentar modelos de previsão de eventos extremos, desastres naturais, como inundações, incêndios. Acho que também serão importantes sensores com resolução espacial milimétrica para monitoramento do comportamento de massa, violência urbana, entre outras aplicações nas áreas das ciências sociais.

Em relação à minha área de pesquisa, eu acho que as aplicações voltadas para o estudo e monitoramento de recursos hídricos terão um grande desenvolvimento porque há um grande número de missões em órbita e previstas com uma capacidade sem precedentes de produzir informações sobre o estado e tendência dos recursos hídricos.